quarta-feira, 22 de setembro de 2010

O exame médico


            Lourdes foi ao médico para fazer uma consulta de rotina.  Lá pelas tantas, ela percebeu, pela cara dele, que alguma coisa não ia muito bem. Enquanto ele a examinava, ela, assustada, aguardava aquela reação do seu semblante traduzida em palavras. As mãos suaram frio, ficou com a garganta seca, mas como cabocla nordestina que era, esperou com cara de paciência a tão aguardada  notícia. Cuidadosamente, ele concluía a consulta auscultando aqui, dando pancadinhas ali, hora pedindo pra ela repetir trinta e três, hora puxando conversas amenas para mantê-la tranquila Até que, depois de medir a sua pressão arterial, deu por encerrada a sua tortura.
            - Quero uns exames mais detalhados. Preciso ver algumas coisas e só com resultado deles é que conseguirei dizer, com mais exatidão, como você está. Disse o médico.
            - Alguma coisa grave, doutor? Ela falou quase sem voz.
            - Aparentemente não, mas como você já passou dos quarenta, é melhor fazermos um check-up. Melhor prevenir do que remediar. Completou ele.
            Lourdes olhava atentamente nos olhos do médico tentando ver se ele lhe escondia algo. Muitas vezes é assim. Os médicos dizem que não é nada e depois a coisa não é tão normal assim. No entanto, agora estava sem jeito. Faria tudo conforme o recomendado. Deixaria para ter medo depois, se preciso fosse. Como dizia a finada sua mãe: “Não devemos correr do bicho antes de vermos o tamanho dele”. O grande problema era que teria de ir a capital.
            - Diabos de interior! Tudo que se quer fazer tem-se que sair daqui. Pensava ela, angustiada.
A grande preocupação de Lourdes era que ela jamais havia deixado o seu interior do interior. O seu pé de serra querido onde criava galinhas, plantava o seu roçado e se orgulhava e quase nunca precisar comprar legumes nas bodegas. Acordava com o sol e não dormia antes ler algumas páginas de velhos romances de M. Delly. Hábito adquirido com a sua mãe. Lourdes era uma mulher simples. Quarentona, nunca casou e quando terminou o curso normal e se fez professora, comprou um terreninho perto de seus pais e passou a morar sozinha. Viajar... quase nunca. Além das viagens que os livros lhe proporcionavam, algumas poucas, aqui e ali quando precisava de médico ou dentista ia para as cidades vizinhas maiores. A escola municipal onde lecionava ficava pertinho. Pouco mais de um quilômetro, trajeto que ela fazia todas as tardes na sua velha bicicleta.
Essa viagem para capital estava lhe tirando o sono. Uma cidade grande, cheia de armadilhas. Ruas a perder de vista, gente que não se conhece se engalfinhando nas calçadas estreitas, barulho de carro, buzinas, prédios enormes... e outras coisas que só se aprende a fazer, olhando os outros fazerem e fazendo depois. Lourdes tinha medo. Medo do desconhecido. Mas pensava. “E quem não tem medo do que não se conhece”?
Finalmente o grande dia chegou. Lourdes chegou a capital. Como tudo já estava encaminhado, era fazer os exames e voltar rapidamente para o sossego do seu interior. Então, a maratona começou. Exames disso, daquilo, raios-X disso, daquilo e finalmente o último exame. Um teste ergométrico. Deixado por último por ser o mais simples.
Cedinho, Lourdes chegou ao consultório. Toda de tênis e de roupa esportiva por recomendação da atendente. Na sala de espera, ela estava apreensiva. Não tinha a menor noção de como ele seria. Mas aguardou com cara de paciência ser chamada. Logo depois, saiu da sala ao lado uma moça de branco com um papel na mão e chamou:
- Dona Lourdes?
- Pronto. Respondeu.
- Pode entrar.
Ela entrou. Era uma sala grande com uma escrivaninha e uma cadeira em um canto, onde estava um médico, uma balança perto da porta e no outro canto uma esteira.
- Coloque aqui a sua bolsa. Disse a assistente.
- Vou colocar uns aparelhos na senhora, colar uns fios, que servirão pra monitorar a sua pressão arterial, seu batimento cardíaco e ver a sua resistência física. Completou ela.
Pediu para que ela se deixasse pesar, colocaram fios nas suas pernas, braços e em cima do coração e pediu que ela se mantivesse calma. O nervosismo podia fazer oscilar a sua pressão.
- A senhora já andou numa esteira? Perguntou a moça.
- Não. Disse ela.
- É simples. Quando eu ligar, a senhora vai andar normalmente. Depois vou colocar mais rápido um pouco, a senhora apresse o passo também. Mas antes, vou deixá-la em aclive, simulando uma pequena ladeira para vermos a sua resistência. Quando a senhora estiver cansada, avisa e eu paro a máquina. Tudo bem?
Ela fez que sim com a cabeça e subiu na esteira. A máquina foi ligada. Quando Lourdes sentiu o chão se mexendo não soube o que fazer. Ficou parada, aflita, toda dura não podia mudar a passada com medo de cair, medo de a esteira acabar e ela ser jogada para fora. O chão passava por ela muito rápido e cada vez mais chegava perto do final. A moça gritou aflita:
- Ande senhora! A esteira está acabando a senhora vai cair!
Lourdes, meio atordoada, começou a esboçar pequenos passos, mas toda retesada não conseguia se equilibrar. Segurou nos amparos laterais com força, tentou ficar de pé normalmente, mas não conseguia. Estava torta, curvada para frente, batia de um lado e do outro na barra de ferro lateral tentando a todo custo se agarrar, se equilibrar.
- Meu Deus, andar aqui, é diferente de andar. Quando andamos, nós passamos pelo chão. Aqui o chão passa pela gente. Pensava ela, aflita.
 Por mais que a moça lhe pedisse calma, lhe mandasse ir pra frente pra não cair por atrás, Lourdes não conseguia ficar ereta. Continuava ainda toda torta, tentando desesperadamente se segurar fosse aonde fosse, mas não conseguia. Foi quando ouviu uma voz:
- Não olhe pra baixo! Olhe pra frente pra ver se dá certo!
Ela ergueu a cabeça e começou a andar. Primeiro, com passos bem pequenos, depois foi conseguindo passos quase normais. Nesse intervalo, ela começou a se preocupar com o som dos seus sapatos na esteira. Eram altos. “Quando se anda, não precisamos fazer barulho”. Pensava ela. Achando que tinha dado muito vexame e que ainda continuava proporcionando sons muito altos, ela começou a andar nas pontas dos pés.
- Melhor assim. Não quero dar mais vexame do que já dei. Ando nas pontas dos pés e não faço ruído.
- Senhora, ande normalmente. Disse o médico com cara de riso.
- Mas... eu ando assim. Estou... normal. Falou ela baixinho quase imperceptível.
- Vixe, como a senhora anda esquisito! Disse o médico já quase sem conseguir segurar uma boa gargalhada.
Lourdes ficou vermelha de vergonha. Continuou o seu “caminhado” por mais uns cinco minutos e resolveu dizer que tinha cansado.
- Já? Disse a moça rindo.
- Mas não se passaram nem dez minutos!
Ela não conseguia mais andar. Não que estivesse cansada. No seu sítio no pé da serra andava infinitamente vezes mais e não se cansava. Era a vergonha de não ter conseguido, de ter falhado numa coisa tão simples. A equipe se entreolhada e ela previa a qualquer hora eles desatarem numa boa gargalhada.
Na sala de espera, enquanto aguardava o resultado, Lourdes, com alguns pontos roxos nos braços de tanto se bater nas barras laterais, pensava no exame.
- Será se dará certo? Foi tão pouco tempo!
Depois que a moça lhe trouxe o resultado. Com olhos e cara de quem tinha rido bastante, ela saiu do prédio. A caminho da casa, foi pensando no ocorrido. Ela nunca tinha passado um vexame tão grande. Exceto aquele em que, não sabendo existir portas de vidro, feriu a testa numa entrada de um cinema. Agora ela era que ria. Ria incontrolavelmente zombando dela mesma por ser tão matuta. Desejava que na sala tivesse uma câmera que tivessem filmado tudo.
- Ah! Seria muito engraçado rever toda aquela cena.


Texto: Marta Adalgisa Nuvens

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