terça-feira, 21 de setembro de 2010

Dias melhores


 
            Todas as manhãs, faça chuva ou faça sol, feriado ou não, seu José passa na rua vendendo bilhetes de loteria. Pela presença assídua ao longo dos anos, já sabemos que é ele quando escutamos, mesmo de longe, o seu anúncio simpático de “bilhete premiado”. Isto é, sabemos nós, apenas aqueles que fazem ponto fixo nessa praça, como eu, como poucos. A maioria, não o vê nem o ouve. Geralmente as pessoas caminham sós e apressadas, ansiosas para chegarem a algum lugar. Possivelmente ao trabalho, já que é uma manhã de segunda-feira e ninguém tinha o ar de quem estivesse simplesmente exercitando o corpo ou a alma procurando românticas sugestões da noite anterior. Todos cronometravam o tempo de cumprir suas obrigações com rápidas olhadelas para o relógio.
            Com todas as observações, senti-me triste pelo caminho que algumas pessoas escolhem ou são escolhidas. Bichos problemáticos somos nós. Com tanto o que se vê numa manhã ensolarada e nem olhamos, sequer percebemos. Preferimos cuidar do nosso egoísmo e nos fechamos para qualquer contato com os outros. Fingimos que estamos sozinhos e ignoramos o próximo. Nem um “bom dia” inexpressivo. Cada um se guarda para si mesmo para a decifração de seus enigmas e dos seus problemas.
            Por um breve instante consegui olhar para dentro de mim. É raro que possamos olhar para dentro de nós mesmos sem a intenção de nos desculparmos de algum ato cometido, sem que queiramos resolver os novos e os velhos problemas acumulados pela rapidez da vida, sem fazer contas, avaliar possibilidades, calcular riscos, sondando ameaças ou remoendo angústias.
            Pensei apenas se eu seria assim também. Se a vida já tinha ressecado os meus sonhos e frustrado as minhas ilusões. Se eu ainda tenho tempo e sensibilidade para ver e sentir as pequenas coisas. Se tivéssemos tempo de ver o mundo e as pessoas com outros olhos, certamente estaríamos agora diante de rostos sorridentes e expressivos e ouviríamos cumprimentos verdadeiros que alimentariam a nossa autoestima. Se tivéssemos tempo de observar o seu José e os seus bilhetes premiados, veríamos que na sua simplicidade de vendedor, ele vendia “sonhos”. Quantas pessoas não se arriscam no palpite da cobra, do gato sonhando com dias melhores? Esperando o dia em que não esperariam mais uma vida mais calma e mais confortável, as manhãs mais longas e mais coloridas... Na verdade, vivemos esperando...
            Vivermos esperando dias em que seremos melhores e que não tenhamos mais medo de nós mesmos. Dias em que possamos sonhar o sonho mais impossível na certeza de que ele poderá ser a realidade. Dias em que preservar valores sejam mais importantes e mais úteis do que preservar riquezas. Dias em que seremos valorizados pelo que somos e não pelo que parecemos ter.
            Vivemos esperando a sensibilidade e o bom senso no coração dos homens e pouco fazemos para romper as barreiras da ignorância, do racismo, da discriminação, do preconceito e da ganância de muitos.
            O que observamos não apenas nas manhãs, mas sempre são pessoas que caminham apressadas e indiferentes, sofredoras solitárias, pontos opacos na multidão cometida pelo tédio.
            Na verdade, vivemos esperando...

Texto: Marta Adalgisa Nuvens

           

Nenhum comentário:

Postar um comentário