sexta-feira, 8 de abril de 2011

A Botija




Marina morava há anos na casa da sua irmã na cidade. No começo, o motivo eram os estudos; pois seus pais moravam em uma chácara distante. E, como era sua irmã, tinha duas crianças pequenas precisando de companhia e cuidados, trocavam os favores. Mas, o tempo passou, as crianças cresceram, ela se formou, arrumou um emprego e ficou. Adotou a família da irmã como a dela e a sua irmã a adotou como uma filha mais velha. E viviam assim; uma vida simples do interior, cheia de dificuldades, mas cheia também de harmonia e bom humor. Mesmo mulher já feita, Marina tinha muito medo de fantasmas. Vivia sonhando com eles, anotando números que lhes diziam durante o sonho para jogar na loteria; ouvia chiados, passos entrando casa adentro, seu nome chamado à porta e quando ia ver não era ninguém... Uma verdadeira obsessão! Por esta razão, ela era o motivo de gozação da família, principalmente do seu cunhado que vivia a fazer-lhe encomendas impossíveis, quando sonhasse com esse ou aquele fantasma.
Uma manhã, a medrosa acordara com mais uma história. Essa agora era verdadeira, tinha que ser. O sonho foi real demais. Ela sonhara que um parente seu, em vida acima de qualquer suspeita, tinha lhe aparecido para contar sobre um baú cheio de papéis e moedas de ouro que havia sido enterrado durante as guerras acontecidas no século anterior naquela cidade. O fantasma mostrava o lugar, a profundidade que ela deveria cavar e ainda abria a botija para mostrar-lhe o que havia dentro. Ele só fazia uma exigência: que os papéis fossem doados à igreja. Ela estava eufórica. Com a possibilidade de ficar rica nem havia pensando nos obstáculos que poderia enfrentar desempenhando tal tarefa.
 O seu cunhado, como sempre brincalhão, fez uma cara de sério e prometeu ajudá-la a organizar tudo para a noite da próxima sexta-feira. Pediu para ela providenciar: água benta para molhar a urna assim que ela fosse desenterrada, um crucifixo caso o demônio aparecesse ou mandasse um representante, velas também bentas para iluminar o local e para espantar algum ser das trevas mal avisado que andasse vagando por aqueles caminhos, um terço que deveria ser rezado antes de se iniciarem os trabalhos e o material para fazer a escavação. Ela anotou tudo sem perceber a cara de gozação dele, contou ao namorado e à mãe dele que lhe emprestou os apetrechos de espantar demônios. Para não ir sozinha nessa aventura mal- assombrada, contava com o namorado para fazer a escavação e com o seu pai para um maior apoio na tarefa de afastar os maus espíritos, caso eles aparecessem.
E lá se foram eles, meia-noite em ponto, dar início a descoberta da arca de ouro. Tudo foi feito como o programado. Velas acesas, terço rezado, começaram a escavação. Ela estava morta de medo. Medo que aumentava cada vez que o vento as apagava as velas e seu pai atribuía isso a algum fantasma brincalhão que assoprava só para deixá-la ainda mais nervosa. E ele até dava-lhes nomes olhando na direção do vento, brigava com eles e lhes avisava do medo que a filha sentia. Até ali ela não percebera que, o que para ela era uma coisa muito séria, para os outros era uma brincadeira. Seu pai e seu namorado se divertiam com o estado em que ela ficava a cada morcego que passava voando com seus vôos rasantes, a cada chiado no mato causado por algum animal, a cada terra que escorregava para dentro do buraco já cavado. A gozação só não foi maior por causa da sua cara de tristeza e decepção quando, mesmo ultrapassada a profundidade do buraco estabelecida no sonho, nada foi encontrado na escavação.
O retorno para casa foi silencioso. Embora com muita vontade de rir, os dois respeitaram a decepção dela. Ela estava arrasada. Afinal, foi uma semana organizando e acreditando nisso. Planos já feitos... Tudo acabado. Agora era só tristeza além de muita explicação aos curiosos e muita chacota dos amigos. Ela desceu do carro, abriu a porta que dá acesso à área e ao jardim de inverno, atravessou-os e quando girou a maçaneta da segunda porta... Buuummm! Uma grande explosão, coisas caindo do céu na sua cabeça fazendo um barulho ensurdecedor, até que uma coisa enorme caiu aos seus pés. É apenas do que ela se lembra. O medo e a adrenalina da aventura noturna, com mais isso que ela não esperava e não conseguia entender o que seria, causaram um branco na sua memória. Quando ela se deu conta já estava dentro de casa, na sala escura, como num desenho animado, colada à parede. Todos os pensamentos fugiram, não sabia como se mexer. Sentia a respiração ofegante, o coração disparado, o suor cobrindo-lhe o rosto... E eis que de repente, ouviu uma risadinha vinda do quarto, semelhante a da sua irmã, seguida das palavras:
- Acho que você matou ela.
E passos correram ao seu encontro para ver o motivo do silêncio. Já que, pela situação, pelo horário e pelo barulho eram esperados muitos gritos e muita correria. Quando ambos, cunhado e irmã, viram o seu estado, precipitaram-se sobre ela, fazendo-a sentar e tomar água com açúcar. Depois de algum tempo de cuidados e mimos por parte dos culpados, com o semblante já bem menos debilitado, ela foi voltando ao normal. Pedindo muitas desculpas, a sua irmã explicou que seria apenas uma brincadeira. Eles haviam amarrado uma cesta em cima da parede com várias latas vazias que deveriam cair assim que ela tocasse na maçaneta da porta de entrada. Por algum motivo, a corda emperrou e a cesta caiu aos seus pés quando ela já estava na segunda porta.
Para o bem de todos, após uma noite tão frustrante e assombrada, Marina escapou dessa aventura sem nenhuma sequela.

 
 Texto: Marta Adalgisa Nuvens