Todas as manhãs, faça chuva ou faça sol, feriado ou não, seu José passa na rua vendendo bilhetes de loteria. Pela presença assídua ao longo dos anos, já sabemos que é ele quando escutamos, mesmo de longe, o seu anúncio simpático de “bilhete premiado”. Isto é, sabemos nós, apenas aqueles que fazem ponto fixo nessa praça, como eu, como poucos. A maioria, não o vê nem o ouve. Geralmente as pessoas caminham sós e apressadas, ansiosas para chegarem a algum lugar. Possivelmente ao trabalho, já que é uma manhã de segunda-feira e ninguém tinha o ar de quem estivesse simplesmente exercitando o corpo ou a alma procurando românticas sugestões da noite anterior. Todos cronometravam o tempo de cumprir suas obrigações com rápidas olhadelas para o relógio.
Com todas as observações, senti-me triste pelo caminho que algumas pessoas escolhem ou são escolhidas. Bichos problemáticos somos nós. Com tanto o que se vê numa manhã ensolarada e nem olhamos, sequer percebemos. Preferimos cuidar do nosso egoísmo e nos fechamos para qualquer contato com os outros. Fingimos que estamos sozinhos e ignoramos o próximo. Nem um “bom dia” inexpressivo. Cada um se guarda para si mesmo para a decifração de seus enigmas e dos seus problemas.
Por um breve instante consegui olhar para dentro de mim. É raro que possamos olhar para dentro de nós mesmos sem a intenção de nos desculparmos de algum ato cometido, sem que queiramos resolver os novos e os velhos problemas acumulados pela rapidez da vida, sem fazer contas, avaliar possibilidades, calcular riscos, sondando ameaças ou remoendo angústias.
Pensei apenas se eu seria assim também. Se a vida já tinha ressecado os meus sonhos e frustrado as minhas ilusões. Se eu ainda tenho tempo e sensibilidade para ver e sentir as pequenas coisas. Se tivéssemos tempo de ver o mundo e as pessoas com outros olhos, certamente estaríamos agora diante de rostos sorridentes e expressivos e ouviríamos cumprimentos verdadeiros que alimentariam a nossa autoestima. Se tivéssemos tempo de observar o seu José e os seus bilhetes premiados, veríamos que na sua simplicidade de vendedor, ele vendia “sonhos”. Quantas pessoas não se arriscam no palpite da cobra, do gato sonhando com dias melhores? Esperando o dia em que não esperariam mais uma vida mais calma e mais confortável, as manhãs mais longas e mais coloridas... Na verdade, vivemos esperando...
Vivermos esperando dias em que seremos melhores e que não tenhamos mais medo de nós mesmos. Dias em que possamos sonhar o sonho mais impossível na certeza de que ele poderá ser a realidade. Dias em que preservar valores sejam mais importantes e mais úteis do que preservar riquezas. Dias em que seremos valorizados pelo que somos e não pelo que parecemos ter.
Vivemos esperando a sensibilidade e o bom senso no coração dos homens e pouco fazemos para romper as barreiras da ignorância, do racismo, da discriminação, do preconceito e da ganância de muitos.
O que observamos não apenas nas manhãs, mas sempre são pessoas que caminham apressadas e indiferentes, sofredoras solitárias, pontos opacos na multidão cometida pelo tédio.
Na verdade, vivemos esperando...
Texto: Marta Adalgisa Nuvens
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