quarta-feira, 11 de abril de 2012

As aparências enganam




         Era meio-dia quando Sílvia chegou ao portão do cemitério. Olhou para dentro sentindo medo. O silêncio, o horário e a fama do lugar causavam-lhe arrepios. Encheu-se de coragem e entrou. Até então, ela achava que seria fácil, pois o dia estava claro, o sol a pino e uma visibilidade perfeita. Mas ao cruzar o portão e dar as primeiras passadas, sentiu-se observada e com a sensação de que alguém lhe pudesse segurar por trás. Diante dessa sensação, o medo aumentou e a possibilidade tornou-se uma certeza. Aquele lugar, certamente, não é dos mais confiáveis, contam histórias fantásticas sobre ele. Um conhecido seu, morador de rua e que geralmente dormia por ali sempre dizia que quando tinha “defunto fresco” ele procurava outro local para pernoitar.
         Diante disso, ela começou a andar meio de lado. Um olho na frente e outro atrás alerta a todos os sons, a todas as surpresas que pudessem surgir no trajeto. Ela sabia que o coveiro estava por ali, já que fora avisada que ele estaria providenciando a cova de uma senhora que havia falecido naquela manhã.
Estava de certa forma, mais aliviada. Mas, àquela altura, o medo aumentava a cada movimento seu. Sentiu-se tentada a voltar. Quem sabe se na igreja não seria mais fácil? Mas desistiu. Aquele é um lugar com muitas colunas e, àquela hora deveria estar com a maioria de suas portas fechadas, portanto, com pouca claridade e visibilidade. Fácil “alguém” se esconder atrás de uma delas e ficar vigiando e quando ela se voltasse rapidamente para surpreendê-las, veria as cabeças curiosas serem recolhidas para detrás delas. Além do mais tinha o coro, palco de muitas histórias. Na mais recente afirmavam que cantores fantasmas ensaiavam sempre ao meio-dia. Diante disso, ficaria. Era uma breve visita, uma reza curta apenas para acalmar a saudade do seu falecido marido que pesava no seu peito.
         Após alguns passos, ela já estava andando quase que totalmente de costas. Virava-se para frente apenas para marcar o caminho. E foi assim, andando de costas que ela sentiu um choque, sentiu que tinha abalroado em alguém.  Virou-se assustada e seus olhos se arregalaram quando viram que era um homem alto, magro, com uma barba imensa e de uma palidez cadavérica.
         Ela não “contou desgraça”, quando percebeu estava já na rua, correndo feito uma louca com o homem correndo atrás dela. Ele corria e gritava tentando fazer com que ela parasse:
         - Sra... Espere! Não vou lhe fazer mal.
         - O que deu na senhora?
         - Meu Deus! Que mulher louca!
         Com toda essa confusão, alguns curiosos já estavam nas portas de suas casas. Alguns, sem entender direito, gritavam para que ela corresse mais rápido para não ser alcançada e alguns já saiam para defendê-la daquele homem que certamente queria lhe fazer algum mal... Se é que já não o fizera. Procuravam paus e pedras para investir contra ele a dar uma boa surra naquele “tarado”. Foi o que deduziram quando viram a cena. Outros corriam para segurá-la e acalmá-la, pois o seu semblante era de puro pavor. O pensamento com relação ao homem, diante da cena, tornou-se uma verdade. Apenas a meninada da rua inocente e sem maldades ria a valer e gritava torcendo por um vencedor.
         - Pega, pega, pega! Vamos ver quem chega primeiro!
         Nesse momento, que ela tomou consciência do que havia feito e do vexame que estava causando. Parou no meio da rua toda trêmula e conseguiu olhar para trás antes de ser amparada por algumas mulheres. Foi quando viu o homem ser alcançado e agredido pelos homens. Tonta e sem conseguir falar assistia ao espancamento aflita e cheia de culpa. Ainda conseguiu meio que gritar, mas seu grito foi abafado pela pressa de justiça dos espancadores. E, para sua tristeza, a sessão de tortura demorou alguns minutos. Após vários chutes, pontapés, pauladas e murros alguém chegou e conseguiu controlar a multidão.
         O homem estendido no chão todo roxo de pancada, tentava explicar a sua versão do acontecido.
         - Eu não fiz nada. Eu estava no cemitério quando a vi entrar e, como ela demonstrava muito medo, fui avisá-la de que mais na frente havia um homem caído numa cova. Eu tentei evitar um medo maior se ela visse aquela cena.
         - Eu não ia lhe fazer mal, continuava. Mas quando ela me viu correu para trás como se tivesse visto um fantasma e eu vim atrás para lhe dizer que era apenas eu.
         Agora os olhares se voltavam para ela pedindo uma explicação. E ela, sem graça, começou a falar:
         - Senhor, por favor, me desculpa. O medo que sentia não me deixou ver que o senhor é humano. Quando vi a sua aparência e a sua longa barba entendi tudo errado. Achei realmente que o senhor era um fantasma e nem senti quando corri de volta. Lamento que tudo tenha terminado assim. Que o mal-entendido tenha lhe causado tanto sofrimento.
         Após vários xingamentos dirigidos a ela por ter causado tudo esse reboliço e muitos pedidos de desculpas a ele pelo julgamento errado que fizeram, voltaram todos ao cemitério para retirar o homem caído na cova, pois a insolação poderia realmente matá-lo. E, para a surpresa de todos, apenas o coveiro estava no local fazendo o seu serviço e disse não ter visto nada parecido.
E a dúvida agora reinava na cabeça de todos. Seria um fantasma dentro do buraco e a história era verdadeira? Seria o homem realmente um tarado que perseguia a pobre viúva com segundas intenções ou seria um casal de amantes que vendo a presença do coveiro e para preservar a imagem da viúva inconsolável resolveu criar tal cena e despistar as pessoas amantes da vida alheia?

Texto: Marta Adalgisa Nuvens

Um comentário:

  1. Marta

    Que interessante seu texto.
    Já publicou algum livro?
    Adorei, faz tempo que não leio contos, somente romances e principalmente Poesias, que amo de coração.

    Parabéns

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