terça-feira, 25 de outubro de 2011

O campeonato

 
 
        A praça estava tomada pela multidão que se acotovelava a procura de um melhor ângulo de visualização. Gente da cidade, dos arredores, das cidades próximas, todos estavam ali para assistir ao mais famoso campeonato das redondezas. Viam-se pessoas sozinhas, acompanhadas, comprando ou vendendo comidas, bebidas ou brinquedos nas barraquinhas improvisadas. Faziam isso por necessidade ou compulsão, não importava. Todos queriam participar da festa de uma maneira ou de outra, afinal estavam ali para a diversão. Ora com a versatilidade e criatividade dos concorrentes, ora procurando uma paquera, ora empanturrando-se de guloseimas e coisas inúteis, mas que os vendedores gritavam as mil e uma utilidades de cada uma delas.
Era o campeonato de mentiras mais conhecido da região. Apresentavam-se pessoas de ambos os sexos com o intuito de contar ao público uma grande mentira e ao júri, formado pelos mentirosos mais famosos da cidade, caberia a incumbência de escolher as três melhores interpretações. O prêmio era irrisório, mas a fama era comparada a de um artista global.
Após a apresentação de todos, foi escolhida a primeira finalista. Tratava-se de uma pescaria contada por Pedro Bastião. Ele disse que um amigo lhe havia dito que foi pescar em um riacho que passava ali perto e pescou um peixe tão grande que não coube na caminhonete que ele dirigia. E olha que era uma quatro por quatro e o tal riacho nem tinha tanta água assim! O tal peixe quebrou a sua vara de pescar e puxou quase toda a sua linha. A sorte era que ele não estava no barco, estava na margem e tinha uma árvore ali perto. Ele, com uma velocidade invejável, conseguiu passar o restante da linha no troco da árvore, amarrar na traseira do carro, possibilitando assim puxá-lo para fora da água. Então ele disse que ouviu atentamente a mentira do amigo e, para não passar por baixo, calmamente argumentou:
- Isso é nada compadre, eu fui pescar outro dia naquele mesmo rio e pesquei uma lamparina acesa.
E o compadre respondeu:
- Uma lamparina acessa saindo da água? Compadre isso é mentira!
E ele respondeu para as risadas e aplausos dos presentes:
- Posso apagar a minha lamparina, compadre, mas você diminui o tamanho do seu peixe!
A segunda classificada foi contada por Moacir Padim. Ele contou que quando era mais novo foi vaqueiro por uns tempos. E que uma vez foi a uma serra ali perto procurar uma novilha do seu patrão que tinha sumido. Foi no melhor cavalo da fazenda, levou o cachorro mais farejador, mas sabia que não seria tão difícil encontrá-la porque ela estava com chocalho. E de fato, logo a encontrou. Mas o estranho foi que, quando a localizou ela sentiu a sua presença, correu em direção ao centro da floresta onde o mato era mais denso e ele teve que correr atrás dela. Na corrida, de repente tudo ficou escuro. O dia claro se transformou em noite. Não se conseguia ver nada. O cavalo correu por cerca de uma hora seguindo a vaca, guiado apenas pelo som do seu chocalho, pois a escuridão era total. E assim, como escureceu a claridade voltou de repente também. Os animais ofuscados pela brusca mudança de luminosidade quase se precipitaram abismo abaixo. Após encurralar o animal na beira do precipício, ele foi entender o que tinha acontecido. Sentiu que estava todo molhado de uma substância pegajosa. Não só ele, mas todos. O cavalo, o cachorro e a vaca. Passou o dedo, colocou na boca e percebeu que era doce. Era mel. Olhando para trás, ele notou uma enorme colméia. Aí foi que ele percebeu o que havia corrido. Eles haviam corrido por mais de uma hora por dentro dela, numa carreira desenfreada; ele montado no cavalo seguindo uma vaca e sendo seguido por um cachorro.
A platéia delirava a cada narrativa. Aplaudia, assobiava, mas ao recomeçar outra história ela ficava muda. Não se ouvia o menor ruído.
A terceira mentira da noite foi contada por Chico de Gorete. Segundo ele, no campo de futebol da cidade conhecido como Ferreirão, numa tarde de domingo dessas, estavam decidindo um torneio regional. Os dois times eram: um time local de nome Itarema e o outro time da cidade vizinha cujo nome era Ribeira. Como a partida saiu empate em zero a zero no seu tempo normal, recorreu-se a cobrança de pênaltis para que se chegasse a um campeão. Chutes alternados de um lado e de outro e a bola não entrava, o gol não saia. Até que chegou a vez da cobrança do atleta do time da casa conhecido por Gabiraba. Ele colocou a bola na marca, tomou uma grande distância e fez carreira para o chute. A bola de três dedos saiu zunindo em direção do gol. O goleiro, coitado, tentou defender, mas felizmente não conseguiu.  Poderia ter sido pior, disseram depois. Ela passou por entre os seus dedos e furou a rede. As pessoas que estavam atrás do gol percebendo a velocidade que ela vinha, sincronicamente se agacharam e ela bateu numa estaca da cerca de arame que delimitava o campo, lançou-se sobre as casas, abriu um buraco na parede do muro daquela mais próxima, resvalou no tronco de uma goiabeira derrubando- lhe todas as folhas e frutos, atravessou o quintal, entrou na casa derrubando tudo o que encontrava pela frente e só foi parar do outro lado da rua, a cerca de uns dois mil metros, dentro do caminhão de Chiquita após estilhaçar o vidro do parabrisas. Todos imaginavam a trajetória da bola e o rastro de destruição da mesma quando ele finalizou dizendo que a pancada no pé de goiaba foi tão forte que ele perdeu a noção de que espécie de fruta era. E, desde antão, todo ano essa fruteira botava frutos diferentes. Já se chegou a colher dele manga, caju, limão e mais algumas variedades.
Ele quase não conseguiu terminar com os aplausos e as risadas dos presentes e por unanimidade a sua história foi a vencedora desse ano. Mesmo assim, sem que ninguém acreditasse, ele jurava que foi verdade e convidava a todos para conhecer o velho pé de goiaba que neste ano, coincidentemente estava com a safra de goiaba mesmo.  O que era segundo ele raro, pois no ano que vem não se saberia que fruta seria.

Texto: Marta Adalgisa Nuvens

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