domingo, 26 de junho de 2011

A mulher que tocava

Eu vi a mulher que tocava e tocava também os nossos corações, a nossa sensibilidade, a nossa alma. Ela não era grande nem poderosa, não ostentava riquezas nem arrogância; pelo contrário, o seu rosto era sereno, o seu corpo franzino de uma mulher já madura, a sua aparência simplificada por uma saia comprida de algodão e uma camiseta verde, mas ela tinha o poder de domar os nossos corações e as nossas emoções e, ao mesmo tempo, fazer parecer que a música fosse simples, o autor fosse comum e tocar piano fosse fácil.
            Eu vi a mulher que encantava tocando a música encantada. Ou era a música que era encantada e encantava a mulher? Difícil separar as duas. Ambas se completavam. A mulher se apossou da música que, com dedos ágeis ao piano, executava com maestria e simplicidade seus acordes sonoros encantados. Ao mesmo tempo, observando a cena, aquilo era pouco. Estava mais para uma mulher possuída pela música, embriagada pela música e esta lhe servia apenas de instrumento para que ela tomasse corpo, tomasse forma para que os seus sons hipnotizassem a todos nós.
            Um teatro, um placo, uma luz de holofote iluminando uma mulher sentada ao piano, tocando a Sonata 17ª de Beethoven. Essa iluminação não importava, nem servia para ela. Ela estava de olhos fechados, cabeça ligeiramente pendida para o lado esquerdo, tomada pela música que lhe saía pelos dedos, pela respiração pelo corpo, pela alma.  A iluminação era para nós da platéia que no momento não saberíamos separar música e mulher. Uma completava a outra. Se fechássemos os nossos olhos também deixaríamos escapar esse momento tão sincronicamente perfeito.
            E música e mulher seguiram o caminho. Ora com acordes suaves, delicados quase imperceptíveis, ora os acordem tornava-se intensos, fortes, como uma tempestade de notas musicais.   
            A platéia hipnotizada assistia a tudo no mais absoluto silêncio, como em êxtase para explodir em gozo na forma de aplausos após a apresentação.  E foi realmente essa sensação que sentimos quando a música emudeceu e os expectadores se ergueram como num ato ensaiado para aplaudir de pé essa obra prima. Mas não era apenas o aplauso em si. Estávamos maravilhados, extasiados, tontos de tanto prazer, trêmulos, olhos nadando em lágrimas de tanta emoção, acreditando que aquele momento foi eternizado em nossas mentes, pois momentos assim de tanta beleza e sincronia são demasiadamente raros.

Texto: Marta Adalgisa Nuvens
Um tributo a pianista portuguesa Maria João Pires.

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