quarta-feira, 6 de outubro de 2010

A fruta preferida


           
         O colorido das barracas, o emaranhado de gente não me seduzia tanto quanto o tipo de linguagem utilizada ali. Cada um dos que vendiam usavam uma estratégia própria, particular, para seduzir o comprador. Embora se saiba que numa feira livre nem sempre o produto é de boa qualidade, mas, para eles, nos seus discursos, as frutas estão sempre fresquinhas, doces, suculentas, de excelente procedência e com ótimo preço.  Eu apenas ouvia a relação de adjetivos e elogios que eles apresentavam e seguia em frente; eu sabia e procurava a minha fruta preferida. Naquele tempo, ela não era encontrada facilmente, como hoje, na região em que moro. Era uma fruta de estação e aproveitando um passeio a casa de parentes ganhei esse presente: Passear na feira livre, num domingo de manhã e comprar a fruta que eu quisesse. A princípio, não era um programa muito divertido, mas, para uma criança de doze anos como eu e estando, pela primeira vez, numa cidade grande, tudo era novidade.
         Finalmente, chegamos à barraca das melancias madurinhas, vermelhinhas e suculentas. A gula me fez escolher uma das maiores, portanto, uma das mais pesadas. Descobri isso depois que soube que todos os que foram, ganhavam de presente a sua fruta favorita, mas tinham que trazê-la até em casa. Seria justo se eu não fosse uma menina tão raquítica, pequena para a minha idade, se eu tivesse sido a última a escolher e não a primeira e se não tivéssemos que tomar condução até em casa. Abracei-me á fruta e comecei a andar. A cada parada que o grupo fazia escolhendo outras eu a colocava no chão sentindo os meus bracinhos já cansados até pela dificuldade em segurá-la, pois não me deram sacolas. Mas eu pensava:
         - Até o ponto do ônibus vai ser difícil, mas eu aguento. Depois eu coloco ela no assento do meu lado e tudo fica bem.
         Porém, nem tudo o que planejamos sai exatamente como o programado. Além de chegar muito cansada, não tinha lugar para sentar no ônibus. Ele não estava exatamente lotado, o seu corredor estava livre, mas as cadeiras estavam todas ocupadas. Coloquei a melancia no chão e botei o pé em cima para que ela não saísse do lugar com o movimento do carro. Não deu certo. Não sei se era por que, até então, eu pouco tinha andado em transportes coletivos e não sabia as manhas de me segurar bem; a impressão que me deu foi que o motorista estava atrasado, portanto com muita pressa, ou estava de sacanagem comigo percebendo a minha inexperiência em realizar tal aventura.
Ele arrancava bruscamente e freava mais bruscamente ainda e a minha perninha fina não conseguia imobilizar a fruta. Achando ser mais fácil porque estava protegida entre dois adultos, ergui-a do chão e abracei-me novamente a ela. Na primeira arrancada do veículo, perdi o equilíbrio com o peso que segurava e fui empurrada para trás levando comigo a pessoa que “me protegia” pelas costas. Ela, com as mãos desocupadas, conseguiu se segurar e sair do caminho para que eu passasse numa carreira desenfreada, de costas, segurando uma melancia enorme. Achei que alguém me seguraria, mas me enganei. Fui surpreendida com uma freada brusca e igualmente arremessada para frente na mesma carreira desequilibrada de antes. Eu tinha que correr, não conseguia parar e se conseguisse, seria uma queda de grandes proporções. Na agonia, tentando encontrar um ponto de equilíbrio, ouvia as risadas dos passageiros seguidas de:
         - Solta a melancia, menina! Segurada a ela você não vai conseguir.
         As risadas se transformaram em gargalhadas e eu sendo jogada para frente e para trás a mercê do motorista e ninguém fazia nada para me socorrer, nem mesmo os meus parentes patrocinadores. Até que finalmente, numa parada para uma pessoa descer, alguém me segurou e pude olhar envergonhada pelo vexame ali apresentado, para as pessoas que riam de mim e com olhar de raiva para os meus acompanhantes que não me salvaram.
A caminho de casa ninguém comentou o fato e não me perguntaram por que eu não a soltei para conseguir me segurar. Segui em silêncio sentindo-me a mais indefesa das matutas numa cidade grande. Se o tivessem feito talvez eu não soubesse responder. Mas se a pergunta fosse se a minha fruta preferida continuava a mesma, responderia, com muita certeza, que era limão ou qualquer outra de igual tamanho.

 Texto: Marta Adalgisa Nuvens

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